Hernioplastia inguinal mínima no SUS

Dr. MIGUEL NACUL, Cirurgia do Aparelho Digestivo

Publicado em 10/01/2024 - Atualizado em 30/04/2024



O tratamento das hérnias da região ínguino-crural tem gerado controvérsias na prática cirúrgica desde o momento em que foi concebido. Embora as técnicas convencionais abertas sejam consideradas seguras e com resultados satisfatórios, os pacientes podem experimentar uma recuperação pós-operatória prolongada, com atraso no retorno às atividades laborais e necessidade de recorrerem à previdência social. Portanto, as hérnias da região ínguinal não só afetam o paciente individualmente, mas também têm grande relevância socioeconômica. Vinte milhões de reparos de hérnias inguinais são realizados anualmente em todo o mundo. Nos Estados Unidos, o tratamento cirúrgico dessas hérnias é o procedimento mais frequentemente efetuado por cirurgiões gerais com aproximadamente 700 mil cirurgias anuais (15% de todas as cirurgias) com um custo estimado superior a 28 bilhões de dólares conforme dados do National Center for Health Statistics. Os dados no Brasil não são tão bem conhecidos.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 5,4 milhões de pessoas sofrem de hérnia no Brasil. Hérnias inguinais foram responsáveis por 1.854.742 cirurgias realizadas entre janeiro de 2008 e outubro de 2023 apenas no Sistema Único de Saúde (SUS), conforme dados do Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (DATA SUS), ocupando o segundo lugar entre os procedimentos efetivados. É importante salientar que no Brasil, também conforme dados do IBGE de 2019, 28,5% dos residentes no país possuíam algum plano de saúde médico ou odontológico, totalizando 59,7 milhões de pessoas. 
Mesmo nas unidades da federação em que a renda per capita é mais alta, a proporção de pessoas com plano de saúde médico era inferior a 40% da população. Exemplos: São Paulo (38,4%), Distrito Federal (37,4%), Rio Grande do Sul (35,4%) e Rio de Janeiro (35%), realidade que com tendência a piora após o período da pandemia da COVID-19. Ou seja, a maior parte da população brasileira depende do SUS para o seu atendimento em saúde.

 


O grande sucesso da colecistectomia por videolaparoscopia impulsionou, a partir da década de 1990, o desenvolvimento das técnicas minimamente invasivas vídeo endoscópicas para o tratamento das hérnias inguinais. Os reparos vídeo endoscópicos tendem a ter menos infecção, dor crônica, dormência, perda de atividade laboral e melhor qualidade de vida, vantagens muito interessantes tanto para pacientes como cirurgiões. No entanto, dados do DATA SUS atualizados (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/) mostram que o percentual de hernioplastias inguinais realizadas por técnica vídeo endoscópica ainda é muito baixo, sem uma elevação percentual significativa nos últimos anos. Entre janeiro de 2022 e outubro de 2023, encontramos os dados abaixo coletados:

- Região Norte: 173 hernioplastias inguinais vídeo-endoscópicas de um total de 25.918 hernioplastias inguinais (0,67%).
- Região Nordeste: 402
hernioplastias inguinais vídeo-endoscópicas de um total de 87.114

Hernioplastias inguinais (0,46%).
- Região Sudeste: 1.009
hernioplastias inguinais vídeo-endoscópicas de um total de 119.983

Hernioplastias inguinais (0,84%).
- Região Sul: 528 hernioplastias inguinais vídeo-endoscópicas de um total de 49.980

Hernioplastias inguinais (1,05%).
- Região Centro-Oeste: 295 hernioplastias inguinais vídeo-endoscópicas de um total de 24.311  hernioplastias inguinais (1,21%).

- Total: 2.407
hernioplastias inguinais vídeo-endoscópicas de um total de 307.306 hernioplastias inguinais (0,78%).   

Ao contrário do que aconteceu com a colecistectomia por videolaparoscopia, que tem a sua utilização claramente crescente no Brasil, a porcentagem de hérnias inguinais operadas por técnicas vídeo endoscópicas permanece mínima no SUS, não chegando a 1% dos casos totais. Sabendo que no sistema privado de saúde – saúde suplementar, a utilização de técnicas minimamente invasivas tem se estabelecido como preferenciais e considerando as suas vantagens sobre as técnicas abertas, a realidade é preocupante.

Fatores formacionais e econômicos são as principais razões dessa realidade no Brasil. As técnicas vídeo endoscópicas necessitam formação específica e possuem uma maior curva de aprendizado. Como a maior parte dos cirurgiões aprende técnicas durante o seu treinamento em programas de residência médica estabelecidos em hospitais do SUS, a quantidade de casos observados/realizados é pequena, o que não permite um adequado treinamento na técnica minimamente invasiva, o que geralmente ocorre após o término da residência, em pacientes privados e com investimentos complementares em treinamento.
 


Quanto à questão econômica, a análise é complexa, pois esta deve ser considerada em termos de tempo operatório, custo dos equipamentos e instrumentais, incluindo aqueles de uso único, tempo de permanência hospitalar e tempo de afastamento das atividades normais e laborais. Vários estudos científicos têm demonstrado que, apesar dos custos diretos serem superiores, o reparo vídeo-endoscópico parece rentável em uma perspectiva social devido ao retorno precoce às atividades normais e baixa incidência de recorrência da hérnia ou de dor crônica na região inguinal. Portanto, os reparos vídeo endoscópicos apresentam bom custo-efetividade, em especial para a população ativa trabalhadora. 

A baixa utilização da hernioplastia inguinal minimamente invasiva no SUS expressa o imenso contraste entre os sistemas público e privado de saúde no Brasil e a desigualdade de oportunidades no nosso país com clara repercussão social. Assim, estratégias que permitam o aumento da aplicação da hernioplastia inguinal vídeo endoscópica no Brasil podem trazer importantes benefícios para o indivíduo e para a sociedade, devido ao impacto significativo sobre emprego, invalidez e custos para o sistema de saúde com ênfase no SUS e previdência social. Neste sentido, o treinamento dos cirurgiões em técnicas minimamente invasivas é fundamental, associado ao compromisso com a qualidade assistencial e a incorporação de novas tecnologias custo-efetivas, principalmente no SUS.

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