Ansiedade e pandemia

Dra. Anna Lúcia Taborda, Psicologia

Publicado em 19/03/2021 - Atualizado em 01/05/2024



A ansiedade é um sentimento humano e necessário, que auxiliou a sobrevivência da espécie humana desde seus primórdios. Graças à percepção do perigo e da possibilidade de se antecipar a ele ou prevê-lo, é que o ser humano vem conseguindo sobreviver ao longo dos tempos. 

A ansiedade, assim, veio se estabelecendo através da evolução da humanidade como um mecanismo de proteção que permitia ao ser humano antecipar um perigo ou ameaça, a fim de reagir a ele, o que geralmente ocorria através de comportamento de cautela ou esquiva. 

Desde então, a vida do ser humano mudou muito, bem como os perigos que o cercam. No entanto, a ansiedade permanece como um sentimento humano que é disparado diante da percepção do risco futuro. 

No entanto, o que percebemos é que muitas vezes as pessoas apresentam sintomas ansiosos mesmo sem haver um perigo futuro real e iminente. O perigo também pode ser de outra ordem, isto é, imaginário. Estamos falando aqui dos perigos internos, aqueles que surgem de dentro de nós mesmos e que por serem muitas vezes ocultos, não sabemos nem mesmo dizer do que se trata. 

A psiquiatria atualmente descreve a ansiedade como um sentimento que se caracteriza por uma sensação desagradável, que é provocada por uma situação ou causa não específica. Muitas vezes apresenta manifestações somáticas, como um aperto no peito ou na altura do estômago, mãos frias e/ou suadas, tremor no corpo, agitação ou outras. 

Há, ainda, alterações comportamentais relacionadas como irritabilidade, distúrbios do sono, nervosismo, inquietação, desrealização, despersonalização, choro e insegurança, e também o denominado "Transtorno de Ansiedade Generalizada" ou TAG, que de acordo com o DSM – V (Manual de classificação de Doenças Mentais), consiste na preocupação excessiva relativas a aspectos variáveis, como trabalho, escola e etc. e que perdura por período maior ou igual a 6 meses. 

Poderíamos pensar que a pandemia e o consequente isolamento social estimulou o aparecimento de quadros ansiosos. O mundo, na forma como o vivemos, é um mundo que preza um sujeito voltado para fora, para o exterior, que preenche e dá sentido a sua vida através do trabalho, geralmente exercido fora de casa, e das relações sociais, que também são experimentadas em locais públicos como bares, restaurantes, clubes, praias, parques e ruas. Isso significa que o sujeito moderno se adaptou a uma vida exterior, que acontece fora, isto é fora de casa e fora de “si mesmo”.

O isolamento trazido com a pandemia obrigou o homem moderno a ficar em casa, a voltar-se para dentro, e com isso surgiram algumas questões. Como é conviver muito tempo com parentes e familiares que antes só eram vistos por alguns momentos à noite? Não é a toa que os índices de violência doméstica aumentaram, bem como as separações e divórcios.

Conviver com o outro implica em conviver com nós mesmos, significa ter que saber o que acontece conosco, o que sentimos ou pensamos, quais sentimentos o outro nos provoca e como lidamos com ele. Da mesma forma, precisamos aprender a "ler" o outro, entendendo de que maneira o afetamos e ter empatia com ele, com seus sofrimentos, medos e ansiedades. 

Estarmos voltados para nós mesmo pode, por tanto, ser algo altamente ansiogênico, posto que temos que lidar com questões que antes da pandemia não apareciam ou ficavam diluídas, deslocadas e projetadas nos outros e em objetos externos. Ter que lidar com aquilo que vem de dentro não é algo fácil. Temos nossos medos e angústias que muitas vezes nos assolam e não sabemos como lidar. 

Na pandemia, a convivência familiar fica concentrada e as ansiedades ou angústias de cada um de seus membros passa a circular de forma mais ostensiva, despertando questões antigas e primitivas que cada um carrega dentro de sí. Se não conseguimos lidar com essas angústias sozinhos, e isso de fato ocorre com muita frequência, procuramos algo ou alguém que faça isso por nós, da mesma maneira que procuramos um lugar para vomitar quando estamos passando mal. A procura de um continente para nossas ansiedades pode ser de muita ajuda em momentos em que ela está prestes a transbordar. Mas, como fazer quando todos da mesma família estão se sentindo assim? O que fazer quando ninguém pode acolher a sua angústia, ou acalmar seu desespero ou entender sua dor e sofrimento?

Nesses momentos é bem comum culparmos o outro, a mulher ou o filho, o vizinho ou o resto do mundo pelo nosso mal estar. Outra saída é nos refugiarmos do mundo na ilusão que nos oferecem as redes sociais. Essas nos abrem um portal mágico para um desejado mundo belo e feliz. Somos transportados para vidas que se mostram exatamente da maneira que gostaríamos de estar vivendo, amigos reunidos, alegres, lindos e sorridentes, locais ensolarados com paisagens idílicas, a descrição perfeita da felicidade.

Ledo engano, os momentos desfrutados nessa viagem ao “mundo de Caras” ou à Ilha da fantasia só fazem aumentar ainda mais a ansiedade dentro de nós. A volta à realidade implica na desagradável sensação de que estamos ficando pra trás, estamos perdendo tempo, que a vida está acontecendo em algum lugar onde não estamos. Sentimos o termômetro de nossa inveja e de nosso desejo e frustração disparar. Brotam sentimentos ruins e desagradáveis dentro de nós, que buscam alívio mas não sabem onde encontrá-lo. 

Some-se a isso todas as outras questões de ordem prática, a diminuição de renda, a perda do emprego, o medo da morte por covid-19, o medo de adoecer e ficar desassistido, sozinho e desamparado num hospital lotado.

Dessa forma, ficamos muito sobrecarregados, tendo que dar conta dos nossos conflitos internos e externos. A pandemia deixou muito claro para todos nós como é precária a nossa estabilidade e nossa saúde esica e mental, e como temos que cuidar delas para que a vida continue. A procura por equilíbrio torna-se imperiosa. Precisamos buscar caminhos que nos permitam aprender a lidar com nossas ansiedades. Meditação, análise, psicoterapia podem ajudar nesse processo, ou em alguns casos, também o uso de medicações prescritas por psiquiatras. O importante é buscar ajuda de um profissional, pois precisamos uns dos outros para nos mantermos firmes e saudáveis nesses tempos difíceis

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